03 dezembro 2006

Mundo real

Texto: Allan Gianni
Foto: troll-urbano.weblog.com.pt

Ele abre os olhos, pois a luz do sol já atravessa as cortinas e toca seu rosto, fazendo-o sentir que o novo dia começou. Ele levanta, ainda atordoado pelo sono, talvez até cambaleante, e caminha até o banheiro. A água toca seu rosto e ele se sente melhor. É hora de encarar o mundo lá fora mais uma vez . Ele se veste. Faz um lanche rápido, arruma tudo e abre a porta.
O barulho e o cheiro da poluição invadem seu mundo, arrebatando toda e qualquer esperança de ainda estar sonhando. Ele fecha a porta e passa a chave, já que seu bairro não é dos mais seguros, e sai. A algazarra das pessoas indo pro trabalho lhe incomoda, o transito lhe incomoda, a gritaria dos cortiços tem o mesmo efeito. Ele agradece o momento em que chega a seu destino: a biblioteca.
Após os cumprimentos feitos às moças que ali trabalham e que já se acostumaram com as periódicas visitas da nossa personagem, ele se dirige para a seção onde passa suas manhãs e pode voltar a sonhar. Passa levemente a mão pelos livros e encontra seu transporte para fora da realidade. Dadas suas condições, as coisas que lia e imaginava eram seu modo de enxergar a vida e o mundo como realmente são. A cada parágrafo, um sorriso aberto como se tudo que ele visse fosse algo novo e inusitado. Após um período de total silêncio, pois o efeito da leitura era quase anestésico, levanta-se, separa alguns exemplares e se dirige até o balcão. Com toda educação, agradece os serviços prestados, se despede da jovem moça e dirige-se novamente para a rua. De volta ao “mundo real”. O quão real era esse mundo?
Mais uma vez na rua, toma o caminho de casa, o caminho do seu mundo real... Os ruídos e a algazarra continuam, embora não haja tantos transeuntes como pela manhã. Ele entra no supermercado, pede ajuda a um atendente que de bom grado lhe guia por entre as seções e ajuda com as compras. Ele deixa o supermercado, toma novamente o rumo de casa e segue por entre esbarrões e empurrões. De repente, uma pequena saliência na calçada prega-lhe uma dura peça. Ele tropeça e cai, juntamente com suas compras e seus livros. Alguém o ajuda...uma moça muito educada que lhe ampara pelo braço. Ele não parece bem e ela o carrega por boa parte do caminho. Ela o ajuda a atravessar a rua, um de seus maiores obstáculos em suas caminhadas diárias, se despede e fita nossa personagem, de um jeito quase maternal, até que ele se perde na multidão e ela retoma seu itinerário.
Nosso herói enfim alcança seu porto seguro, seu abrigo, seu lar...o único lugar onde ele pode se sentir a vontade, sem ser tratado com descaso ou ser alvo da curiosidade alheia. Ele abre a porta e entra. Enfim a salvo. Larga as compras e os livros em cima da mesa, tira o casaco e pendura-o perto da porta. Transita pela casa sem esbarrar num móvel sequer e alcança a cozinha. Prepara seu jantar, após o qual sua única diversão são os livros.
Já é tarde e o sono bate intenso como a escuridão lá fora e a escuridão de sua própria vida. Ele se deita, se cobre e fecha os olhos. Nesse momento ele atinge o mundo que ele criou baseado em livros, escritos em braile, onde todas as portas estão abertas. Ele atinge o seu mundo real...o mundo onde o fato de ser cego não o difere de ninguém.
Ele adormece...

2 Comments:

At 12:44 PM, Anonymous Anônimo said...

afff

 
At 1:51 PM, Anonymous Anônimo said...

Realmente, tem horas que perdemos o contato entre nosso mundo interior e o mundo ao nosso redor, talvez por acharmos que o mundo que nos cerca não é nosso lugar, talvez por não termos esperança ou paixão por algo mais.

 

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