01 dezembro 2006

R$ 1,00 e a Lei de Gérson

Texto: Bruno Rodrigues
Foto: re-curso.blogspot.com

Ele andava calmamente. Subiu a escada rolante e, enquanto subia, admirava a mulher que descia. Sim, ela descia. Descia ao lado. Os dois trocaram olhares rápidos, mas apenas trocaram. Nada demais. Ele subiu e ela desceu.
A estação do metrô estava cheia e agitada. Era domingo. Lembrou-se de que não comprara o bilhete e que teria que enfrentar a fila da bilheteria. Ele odiava filas. Entrou nela e esperou. Enquanto esperava, ouvia o barulho dos trens chegando na estação. Uns chegavam e outros saíam, mas todos faziam barulho. Todos chegavam. Todos saíam. Ouvia tudo. Observava tudo. As portas dos trens que abriam e fechavam, o casal que se beijava loucamente ao seu lado, a senhora a sua frente contando as moedas. Ele observava tudo e todos. Estava na fila e não tinha nada para fazer a não ser observar.
A fila andava. Devagar, mas andava. Tentou trocar olhares com outra garota. Loira, alta, de olhos claros. Tentou, mas não conseguiu. Virou o rosto e continuou a observar.
Subitamente, lembrou-se do seu MP3. Colocou os fones de ouvido, se desligou e ligou o aparelho. Queria ouvir música. Não queria mais observar.
Finalmente estava chegando a sua vez de comprar o bilhete. Estava com pressa e queria chegar logo em casa, descansar, comer, dormir. Estava exausto. Restava a sua frente apenas uma pessoa. Uma senhora gorda e cheia de sacolas. Era bonita, mas era gorda. Era bonita, mas cheia de sacolas. Queria passar a frente da senhora gorda, mas não poderia. Se fizesse isso, seria desaprovado. “Desaprovado por quem?”, ele pensou. Mas só pensou. Estava cansado, não queria mais pensar, nem ultrapassar.
Enfim chegara a vez da senhora comprar o bilhete. Logo seria a sua vez. Começou então a preparar o dinheiro. Queria dar trocado, pois seria atendido mais rápido. Pegar o bilhete e ir embora. Era só isso que ele queria. Mais nada. Lembrou-se de que tinha R$ 3,00 no bolso direito da bermuda. Sim, ele usava bermuda. Estava frio, mas estava de bermuda. Precisaria de apenas R$ 0,10. A passagem era R$ 2,10, sendo assim pegaria R$ 2,00 dos R$ 3,00, mais R$ 0,10 e pronto. Isso bastaria. Ainda por cima, sobraria R$ 1,00. Não faria nada com esse R$ 1,00, mas sobraria.
Chegou sua vez. Ele se dirigiu à bilheteria, pôs a mão no bolso direito e pegou os R$ 3,00. Juntou aos R$ 0,10 que tirara da carteira enquanto olhava para a senhora cheia de sacolas, colocou o dinheiro no guichê, pegou seu bilhete unitário e saiu.
Começou a andar apressado em direção às catracas. Não tinha mais fila. Enquanto andava colocou a mão no bolso direito e não achou seu R$ 1,00. De repente parou! Não achou seu R$ 1,00 que sobrara em sua conta. Vasculhou seus bolsos, direito, esquerdo, de trás, da frente e nada. Não tinha mais o que vasculhar. Ele tinha certeza. Ele tinha R$ 3,00. A conta era simples. R$ 3,00 menos R$ 2,00 seria igual a R$ 1,00. Ficou inconformado. Será que estava louco? Não faria nada com esse R$ 1,00, mas queria achá-lo. Era dele. Teria que encontrá-lo. Ele estava convicto. Tinha sim R$ 3,00 no seu bolso direito e esse R$ 1,00 teria que aparecer. Pensou: “Quem seria capaz de pegar R$ 1,00 do meu bolso? Era tão pouco”. Com um sobressalto, pensou que poderia ter dado os R$ 3,00 ao cobrador e o cobrador, sem perceber, não devolveu. Decidiu, então, ir até o guichê onde comprara o bilhete. Caminhou decidido, com passos largos e fortes, com uma expressão seria em seu rosto. Parou na frente da bilheteria e, ao abrir a boca para falar ao cobrador, este pegou uma moeda de R$ 1,00 e, sem olhar em seu rosto, deixou-a em cima do guichê, chamou o próximo da fila e continuou atendendo aos usuários do metrô. Não disse uma palavra. Não deu um olhar. Apenas devolveu o R$ 1,00. Apenas continuou. Ele pegou seu R$ 1,00, que agora estava em moeda e não mais em papel, e foi embora. Caminhava e pensava. Pensou bastante. Pensou mais um pouco, pois agora, ele queria pensar. Andava e pensava, pensava e andava. Fazia tudo ao mesmo tempo. Passou pela catraca pensando, entrou no metrô pensando, sentou no banco pensando. Sim, ele pensava: “Queriam roubar meu R$ 1,00?”.

2 Comments:

At 3:55 PM, Anonymous Anônimo said...

olá.. adorei o texto..
muito criativo, vocês tem capacidade!
parabens
beijos xau

 
At 12:45 PM, Anonymous Anônimo said...

tsctsc

 

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