14 dezembro 2006

Brasileiro

Texto: Bruno Rodrigues
Foto: Michael Jastremski


Ele estava sentado junto à janela, naquelas cadeiras que ficam de lado e seguem o sentido que o trem viaja. Não sei por quê, mas esse homem tinha algo em particular. Sua fisionomia fisgou minha atenção.

Deveria ter seus 40 anos, cabelos ralos e pretos, magro, 1,75m de altura. Mal vestido, aparentava ser de pouca saúde financeira. Viajava no trem da linha C da CPTM, linha que pertencia à antiga Fepasa. Ia sentido Barra Funda.

Como já disse, sua fisionomia me chamara a atenção. Esta transmitia, em um primeiro momento, tranqüilidade. Eu até cheguei a pensar: “Queria ser assim, calmo”. Mas duas estações se passaram e comecei a questionar a tranqüilidade daquele homem. Daí então percebi: Ele não estava tranqüilo, nem calmo. Estava conformado. Entregara os pontos. Simplesmente vivia, dançava a música que colocaram.

Fiz algo errado, julguei, mas essa idéia estava nítida no rosto daquele homem. Um brasileiro.

O que será que se passava em sua cabeça? Desistira de viver? Trabalho, casa, casa, trabalho. Deve ganhar míseros R$ 600,00 por mês (chutando alto). O que fazemos com esse valor? Porra nenhuma! Será que ele tinha alguém o esperando em sua casa? Uma esposa, filhos, parentes. Será?

Ele com certeza não vai ao cinema, não chama sua “esposa” para jantar fora. Não vai à praia no final de semana. Não compra presentes para seu filho. Não faz surpresas para sua mulher. Não vai ao motel. Não tem carro. Não faz faculdade. Não espera crescer profissionalmente, ter uma cargo elevado na empresa em que trabalha, não pratica esportes, não se cuida. Não leu a “Ética protestante e o espirito do capitalismo”, até porque existem livros mais engraçados. Não vai ao teatro. Não lê o jornal no fim de semana, a não ser a coluna de esportes.

Já dizia Plutarco: “É preciso viver, não apenas existir”.

Bom, ele aprendeu a jogar o jogo do mercado. Aprendeu a trabalhar, e com isso sobrevive. Talvez com muito esforço consiga pagar seu aluguel e viver miseravelmente por uns 60 anos. Putz, ele deve fumar e beber. Talvez viva menos. Mas pagará seu aluguel em dia. Ah, conta de luz, e impostos também.


Ele deve estar bem consigo mesmo. Tranqüilo e conformado como aparentava, até porque ele sorriu. Sorriu para o vendedor que o serviu na compra de um amendoim. Aliás, esses amendoins do trem são ótimos!

Chegou minha estação. “Estação Comandante Sampaio”, anunciou o maquinista através de uma fala alta e chiada, devido ao mau estado dos alto falantes do trem. Desci, passei a porta e ainda olhei para aquele cidadão. Logo vi que estava diante do verdadeiro brasileiro, aquele que nunca desiste. Só não estuda, não adquiri conhecimento, dificilmente consegue crescer financeiramente e socialmente, mas mesmo assim não desiste e está sempre de bem com a vida!

Não luta pela causa certa, mas esta sempre lutando pela sua sobrevivência. Nunca desiste, por mais que esteja no sentido errado.

74% dos brasileiros são analfabetos funcionais, não compreendem nada mais complexo do que um bilhete.
( Fonte: - INAF Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional/ VEJA ed. 1966)

2 Comments:

At 8:04 AM, Anonymous Anônimo said...

Essa equação que você montou é que determina a linha entre a conformação e a criminalidade...

 
At 9:56 AM, Anonymous Anônimo said...

Histórias de CPTM!!! Sim, encontro com o Brasil da maioria!!!

Parabéns pelo blog, moços!

Beijos

 

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