24 dezembro 2006

Poente em tom rosé


Texto: Allan Gianni
Foto: Wolfgang Arnold


Há tempos ele não sentava na relva para ver o poente. Tão lindo poente! Chega a ser irônico: esperar um dia inteiro por um momento que dura tão pouco. Às vezes penso que o poente devia ser eterno, mas onde estaria a graça? Não seria nada de mais. Apenas um poente. Mas retornemos ao que realmente interessa.

Ele sentou-se na relva como costumava fazer tempos atrás no final das tardes. Escolheu um lugar calmo dentro dos limites do parque e sentou-se para observar a vida. Tudo aquilo que os últimos raios-de-sol tocavam era vida. Vida in natura. A brisa leve que tocava a pele, as crianças que brincavam no banco de areia, a correção de pequenas formigas que trabalhavam em prol do inverno, etc. Pura e simplesmente vida. Havia uma grande lagoa à sua frente. Um espelho! Definitivamente aquilo era um espelho. Não. Não mesmo. Era um quadro. Um poente pintado a óleo, em tom rosé. Abençoado seja o artista que o pintou. Abençoados sejam todos os artistas que, de certo modo, retratam um poente em sua arte. E nos brindam com ela.

Foi então que ele a viu. Sentada próximo da lagoa, num pequeno banco da praça a alimentar os pombos. Ela tinha cabelos negros na altura do ombro e olhos de uma cor clara, que refletiam o poente pintado na água. Ela era tão linda que causava um certo receio de se aproximar. Ele parecia um adolescente recém enamorado, ávido por uma reserva de coragem. E quando finalmente resolveu se levantar, duas novas figuras estacionaram a seu lado a contemplar o parque.

Eram dois homens altos, ambos de branco e com um certo tom de gravidade no olhar.
- Que faço com o senhor? Resolveu passear pelo parque outra vez.
- Preciso desses momentos para me sentir vivo, filho...
- Sabe que às vezes chego a me perguntar do porquê de o senhor estar nessa situação?
- A vida não é justa, meu jovem. Mas é sábia.
- Vamos. Está esfriando. Hora de o senhor entrar e se aquecer.

Os dois homens ajudam o homem a se levantar, pois as marcas da idade estão mais evidentes do que nunca.

Enquanto aquele homem de idade avançada era levado de volta para uma das alas do hospital psiquiátrico, olhava pra trás em resposta ao último aceno da última criança que brincava no parque. Mesmo parque onde ele conheceu sua falecida esposa, cerca de meio século atrás.

O parque já não tinha seu brilho de antigamente. Crianças já não brincavam ali há anos, os brinquedos enferrujaram, o banco de areia virou dormitório de cães e o mato tomou conta da relva. Mas, aos olhos de um louco, até mesmo esse parque, que hoje é apenas uma lembrança, é a prova mais clara de que um poente em tom rosé pode mesmo ser eterno.

1 Comments:

At 2:33 AM, Anonymous Anônimo said...

Que texto lindo!! Ótimas palavras!! Parabéns. Beijos.

 

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