29 dezembro 2006

Linha Imaginária

Texto: Allan Gianni
Foto: co.tompkins.ny.us



"... Eu teria meus motivos para deixar aquela cidade, pois em cada poste havia uma foto de um alguém que não conheço mais. Eu andava pelas ruas e em cada muro, alguma porta se abria me transportando para outra realidade: aquela em que vasos foram quebrados, palavras foram ditas e corações dilacerados em questão de minutos. Enquanto ela pegava suas coisas, só o que pude fazer foi sentar no meio-fio com meus pensamentos. Ao vê-la passar do meu lado, foi como se me fosse tirado algo de importante, de vital. Mas doloroso mesmo foi o momento em que um de nossos porta-retratos caiu no chão. Foi como se uma grande parte de nossa vida virasse caco de vidro espalhado por aí. Ela olhou, secou a lágrima e se foi.

A chuva começou a cair e a molhar o resto do mundo, mas a pior enxurrada acontecia dentro de mim, numa mistura de amor, ódio e tristeza. A melancolia foi tanta que acordei do transe, sozinho na rua, em frente aos postes, me perguntando: 'Que diferença eu fiz? Que culpa tive eu? Por quantas ruas mais vou andar sem rumo?'.

E nunca mais fui visto, pois saí pelo mundo atrás dos cacos do porta-retrato, e prometi voltar apenas quando o tivesse montado. A partir daí eu poderia abandoná-lo por aí e voltar a andar tranqüilamente pelas ruas.

Mas um dia me ocorreu que talvez tivesse sido menos doloroso por telefone, pois eu não teria visto que, em seu peito, os sentimentos travavam uma luta tão intensa quanto no meu. As fotos dela nos postes eram tantas que se misturavam na minha cabeça, me fazendo por um momento pensar que estivesse perturbado e que a rua não tinha fim. Foi preciso tirar os óculos, esfregar os olhos e sentar a olhar para o trem que passava próximo a West Side. Mas algo mudou minhas perspectivas. Eu nunca havia visto o pôr do sol daquele lado da cidade, a tocar o horizonte numa linha imaginária. Era como se os raios me abrissem o peito e fizessem o coração bater mais consciente.

Foi nessa hora que me veio à cabeça deixar o porta-retrato de lado, e sair em busca de novas lembranças. Se não foi dentro de um copo que achei a solução como muitos, também não vai ser por aí sentado. Prefiro testar minhas chances seguindo o pôr do sol, pois novos caminhos sempre levam a nós mesmos ”.

2 Comments:

At 4:13 PM, Anonymous Anônimo said...

Tenho pensado muito em coisas desse tipo ultimamente. Juntar os cacos, levantar, enxugar as lágrimas, ir em busca de novas e boas lembranças. Mas falar é bem mais fácil que fazer.

 
At 2:47 PM, Blogger Gabriela Martinez said...

Muito bonito esse texto. De quem é? Me lembrou bastante de uma música de Los Hermanos que diz:
"Eu preciso andar um caminho só
Pra encontrar alguém que eu não sei quem sou"
Gostei do seu blog. Vi numa comunidade do orkut. :)
Se você sentir vontade, curiosidade, enfim...passa lá no meu:
http://conselhosdaiaia.blogspot.com
bjinhos

 

Postar um comentário

<< Home